Mídia e violência
"Logo, nem é a TV Globo nem qualquer outra emissora ou mídia que exala e expande o terror"Experiência empírica confirma que há parcela significativa da população brasileira de nível de escolaridade razoável que, salvo um ou outro programa de entretenimento ou filmes, não mais assiste à tevê brasileira, principalmente, em se tratando da TV Globo. Os cidadãos argumentam que se trata da emissora transmissora de inverdades e fake news.
Outros associam a Globo à oposição ferrenha que se faz, em território nacional, ao Presidente Bolsonaro. Em oposição, há quem afirme aos brados que o antagonismo contra o exercício do jornalismo e à prática jornalística é incitada pelo Senhor Presidente e seus ferozes apoiadores.
De fato, o Presidente do Brasil, país democrático, que atua sob o modelo de República Federativa Presidencialista, desrespeita a todo vapor os profissionais da imprensa, cuja função mor é assegurar a liberdade de expressão mediante um elo de respeito e solidariedade na esfera da sociedade civil. Há casos de tentativas de violência física contra repórteres. Há casos de palavras de baixo escalão a quem está no exercício da profissão. Há casos em que a categoria profissional é vista como coletivo de abutres, quando, na realidade, sua função única é defender os interesses da coletividade, assegurando aos que não têm voz a ruptura do silenciamento.
No entanto, quando o discernimento para a sobrevivência profissional é definitivo, reconhecemos que nem os jornalistas são abutres nem tampouco anjos de asas brancas e azuis. Nem sempre é possível denunciar os malfeitos de governantes, administradores, empresários, enfim, da casta social. Os proprietários dos veículos de comunicação são empresários, quase sempre, subjugados aos ditames dos anunciantes e/ou do próprio Estado. Na esfera da profissão, como em qualquer outra atividade, há de tudo.
Porém, independentemente de quaisquer destes fatos – não mera suposição – há uma realidade macro e contestável a olho nu. A sociedade brasileira (ou não) está doente. Por três dias consecutivos, exatamente para coletar subsídios para esta matéria, nos postamos diante da tela da tevê zapeando. Sim, três dias. Eis mais um desmanche dramático da cracolândia. Trata-se de território em pleno centro da grandiosa capital São Paulo, principal centro financeiro e mercantil da América do Sul, ocupado há cerca de duas décadas por drogaditos e por traficantes que exploram desavergonhadamente a miséria do ser humano.
Mais uma vez, a cracolândia vaga por aí e encosta-se onde dá. Os cracoletes (sem resquício algum de ironia) dão sempre um jeito de se concentrar. O que fazer? É preciso retomar imediatamente os programas municipais e estaduais até então existentes, além de outras dezenas de projetos da iniciativa privada, sustentados por igrejas de diferentes vertentes, ONGs de diferentes naturezas, movimentos sociais com diferentes olhares. Agregá-los. Discutir saídas. Diluir digressões. Aparar arestas, buscando soluções que obedeçam às leis estabelecidas e aos protocolos médicos. E é a imprensa que mostra a feiura do espetáculo aterrador.
Nos dias subsequentes, crimes hediondos de naturezas diferentes são descritos. O frio que vem assolando o Sul e o Sudeste brasileiro causam dor e morte por hipotermia (simples, assim: por frio), quando a temperatura corporal reduzida dissipa mais calor do que produz internamente durante um tempo prolongado. As imagens horrendas, tristes e que igualam o ser humano aos animais mais ferozes da natureza retratam o que vem sendo a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Diante deste panorama “sucinto” de caos, questiona-se: a mídia pode ou deve omitir os fatos? Se assim o fizer, impedirá o conhecimento por parte dos cidadãos do percurso letal dos males que vêm assombrando os povos mundo afora e se propagando como uma praga para a qual ainda não se tem remédio. Logo, os produtores de conteúdo, indo do rádio para a tevê, da tevê para a internet e para a infinidade de redes sociais exercem a função de fontes de disseminação de dados e informações, ao tempo que precisam atuar como filtros de informação e reverberação dos fatos do dia a dia, locais, nacionais e internacionais, para não assumirem a responsabilidade da omissão dos fatos. Por tudo isto, é evidente que cabe ao profissional jornalista selecionar, revelar e contextualizar as notícias verdadeiras, além de dar dicas de leitura e conhecimento à população, que, agora, cada vez mais, possui à disposição uma avalanche de informações.
Logo, nem é a TV Globo nem qualquer outra emissora ou mídia que exala e expande o terror. É a população que vem se deteriorando e deixando de lado valores dignos do ser humano. Não obstante crescente liberdade e visível declínio no que se refere aos valores de referência, quando alusões tradicionais, preceitos religiosos, metafísicos e ontológicos da ética parecem sumir, caracterizando verdadeiro vazio ético, ao mesmo tempo, é visível o crescimento quase infindo de demandas por ética e prescrições morais. Nessa nova sociedade, isenta de ideologias e verdades totalizadoras, parecem restar tão somente formas contemporâneas do individualismo, as quais privilegiam o indivíduo, governante ou não, e, por conseguinte, alienam os interesses supremos da coletividade.
Maria das Graças TARGINO é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto Interuniversitario de Iberoamérica.
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