40 anos da Lei de Anistia – punir ou esquecer?
A impunidade em xeque no BrasilHá quatro décadas, o último presidente da Ditadura Militar, General Figueiredo, fez aprovar a Lei de Anistia, que era um clamor das ruas, ansiosamente aguardada. Imediatamente, milhares de brasileiros, exilados principalmente na Europa, puderam retornar ao Brasil, sem o risco de sofrerem com a repressão tão violenta que esmagou a luta armada nos anos 60 e 70 e expulsou a oposição civil, após cassações de mandatos, de cargos de agentes públicos, perseguição de intelectuais e artistas... enfim, seguindo a cartilha comum de um momento de exceção vivido por quase toda a América do Sul, como Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
Mas bem ao contrário dos nossos vizinhos, aqui, a Lei de Anistia promoveu uma transição para a democracia que não previa julgar os crimes do passado. Entendeu-se que era preciso recomeçar, deixando para trás tanto os crimes de quem pegou em armas contra o regime militar, como quem, em nome desse regime, violou os direitos humanos, realizando execuções sem julgamento, torturas e toda forma de abusos, físicos ou psicológicos, que acontecem nos porões de uma ditadura.
Em outras palavras, o Brasil não quis passar esse período a limpo, levando para os tribunais aqueles que violaram as regras mais básicas do Estado de Direito. Os presidentes se sucederam, de diferentes partidos, desde conservadores, como José Sarney, Collor e Itamar Franco, à social democracia de FHC, à esquerda de Lula e Dilma Roussef, passando por Michel Temer e, finalmente, Jair Bolsonaro. Em comum, todos esses presidentes tiveram a mesma posição sobre a Lei de Anistia: não mexer em algo tão delicado, já que envolve forças armadas e policiais.
Já nossos vizinhos, julgaram seus torturadores. Argentina e Chile os colocaram na cadeia.
Do outro lado do Atlântico, a África do Sul de Nelson Mandela optou pela Lei da Verdade e Reconciliação, muito parecida com nossa Lei da Anistia, mas com uma amplitude maior. Perdoou os agentes da ditadura racista, o Apartheid, como forma de mostrar conciliação com a minoria branca, que concordou em ceder o poder para a maioria negra.
Entretanto, condicionou esse perdão a sessões públicas em que acusados se apresentavam para confessar seus crimes já perdoados. As sessões transmitidas pela TV serviram como catarse para um povo traumatizado pela violência racial.
Espanha: Lá como cá
Já na Europa, a Espanha, com a Lei de Anistia dois anos mais antiga que a nossa, de 1977, mantém a mesma postura brasileira. Ninguém jamais foi julgado por crimes cometidos em nome da ditadura franquista, de 1936 a 1975. Desde então, os governantes não falam dos crimes cometidos durante a ditadura do General Franco, dizendo que a Lei da Anistia representou a esperança de reconciliação. A falta de punição para torturadores e executores de assassinatos políticos ganhou até um apelido jocoso: é a lei do esquecimento.
O documentário espanhol O Silêncio dos Outros, de 2018, conta o drama de vítimas da ditadura franquista e de familiares em busca do corpo de parentes.
Aqui no Brasil, nenhum presidente teve coragem de pedir a rediscussão dos termos da Lei de Anistia. Valeu e vale para todos, afirmam, da esquerda e da direita, tentando não melindrar as relações com as Forças Armadas.
A questão, é que o Brasil é signatário do Pacto de San José (Costa Rica) e, é claro, das resoluções sobre Direitos Humanos da Organização das Nações Unidos, que classificam a tortura como crime imprescritível, não passível, portanto, de perdão ou anistia.
Eis a confusão montada... mesmo sem o interesse político de nossos governantes em rediscutir o alcance da Lei de Anistia, o Poder Judiciário pode reinterpreta-la de acordo com os compromissos internacionais do Brasil.
Há pelo menos 40 ações penais apresentadas na Justiça contra suspeitos de violações dos direitos humanos no Brasil. Na década passada, o STF decidiu que a Lei da Anistia é válida para os agentes públicos acusados de crimes políticos. Mas um recurso pede que seja cumprida sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil em 24 de novembro de 2010 a julgar quem cometeu crimes durante a ditadura.
Com a palavra final, como sempre, o Supremo.
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