Do tamanho de uma muriçoca; por Flávio de Ostanila para o JTNEWS
"Tal criaturinha — cheia de inveja, maldade e insegurança — circula feito inseto por aí, azucrinando os indefesos e tirando-lhes a paz"O escritor gaúcho Josué Guimarães criou uma personagem que diminuía de altura diariamente. Para evitar que a senhora percebesse o próprio encolhimento, os familiares serravam os móveis da casa: os pés da cama, da mesa, das cadeiras.
Na vida, nós nos deparamos com grandes pessoas — do tipo que inspiram e lideram outras, deixam seu legado, são exemplos, irradiam luz. E esses nobres homens (e mulheres) enfrentam, geralmente, muitas dificuldades. Quiçá a caminhada tormentosa os tenha tornado gigantes.
Entretanto, já que não temos o privilégio nem o poder de escolher só sujeitos de grandeza de espírito, somos forçados a conviver também com elementos de estatura moral quase microscópica.
O homúnculo — que vive à sombra dos outros, sob o jugo humilhante de seu amo, submetido aos caprichos de terceiros, castrado de dignidade e frouxo de caráter —, obtém benesses e cargos à base de bajulação.
O ignóbil até pode de tudo aproveitar — carros, mansões, títulos —, ainda assim será sempre um nada. Empanturrar-se-á de carnes folheadas a ouro e vinhos da mais antiga safra; oco, porém, permanecerá. Vestes caras não esconderão sua indignidade, tampouco sapatos chiques o elevarão. Nasceu, viveu e, inevitavelmente, morrerá pequeno.
Tal criaturinha — cheia de inveja, maldade e insegurança — circula feito inseto por aí, azucrinando os indefesos e tirando-lhes a paz. É um ser abjeto que rasteja diante de políticos, empresários, celebridades; mas quer voar sobre gente comum e, nisso, acaba expondo suas garras de assediador e sabotador.
Mal comparando com a mulher que tinha a mobília serrada, um indivíduo baixo tenta com intriga e demais ardis rebaixar seus desafetos à sua inferioridade. A famigerada "casinha" ("armação", tramoia), modus operandi dessa espécie desprezível, orna com a pequenez do canalha.
Embora miúdo, o homenzinho pode muito durante um tempo. No entanto, para nossa sorte, o diminuto é, como qualquer ser vivo, vencível. E quando destituído de seu posto — seja de uma chefia de repartição, seja da presidência de um país —, ele se dá conta daquilo que todo o mundo já sabia: é tão minúsculo que cabe numa caixa de fósforos.
Confira AQUI a última crônica do autor, publicada com exclusividade pelo JTNEWS.
Fonte: JTNEWS
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