Grazi Mantovaneli

Esposa, enfermeira, especialista em UTI e Emergências Pré-Hospitalares e especializando em Pediatria e Neonatologia e artista. Atuou como enfermeira na Atenção Básica e foi tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar. Amante de artes é aquarelista, ilustradora, desenhista, pintora à óleo, bordadeira e estudante de violoncelo. Aprecia uma boa culinária, se arriscando na cozinha. Proprietária do Dona Corujinha Ateliê (Instagram @donacorujinhaatelie). Recentemente, unindo a paixão por saúde da criança e artes, ilustrou o livro Amamentar: entre o querer e o poder.
Esposa, enfermeira, especialista em UTI e Emergências Pré-Hospitalares e especializando em Pediatria e Neonatologia e artista. Atuou como enfermeira na Atenção Básica e foi tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar. Amante de artes é aquarelista, ilustradora, desenhista, pintora à óleo, bordadeira e estudante de violoncelo. Aprecia uma boa culinária, se arriscando na cozinha. Proprietária do Dona Corujinha Ateliê (Instagram @donacorujinhaatelie). Recentemente, unindo a paixão por saúde da criança e artes, ilustrou o livro Amamentar: entre o querer e o poder.

Violência Obstétrica

Um fantasma que ainda assombra as mulheres

No Brasil, para cada quatro mulheres grávidas, uma sofre algum tipo de violência obstétrica.  

Esses dados são de qual século?  

Infelizmente, eles são dos nossos dias, comprovando que, diariamente, mulheres ainda sofrem violências obstétricas em nosso país.   

Foto: Graziela Mantovaneli/JTNewsÉ preciso dar um basta!
É preciso dar um basta!

Mas, o que é violência obstétrica?  

É qualquer ação que provoque dano físico e psicológico à mulher e/ou que fira o princípio de autonomia e de liberdade de escolha sobre procedimentos que serão realizados em seu corpo e aos direitos garantidos por lei, como o de acesso à informação e de receber assistência em saúde, baseada em evidências científicas.  

Sabia que, em 2019, o Ministério da Saúde tentou silenciar a expressão “violência obstétrica”?  

Sim! Por meio da Coordenação de Ações Programáticas e Estratégicas, da Secretaria de Atenção Básica, o Ministério da Saúde, proferiu o despacho nº 11, em 03 de maio de 2019, no processo nº 2500.063808/2019- 47, concluindo pela: 

 [...] impropriedade da expressão “violência obstétrica” no atendimento à mulher, pois acredita-se que, tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não tem a intencionalidade de prejudicar ou causar dano [...] Pelos motivos explicitados, ressalta-se que a expressão “violência obstétrica” não agrega valor e, portanto, estratégias têm sido fortalecidas para a abolição do seu uso com foco na ética e na produção de cuidados em saúde qualificada.

Essa tentativa do Ministério da Saúde de descaracterizar a violência obstétrica e chamá-la de desrespeito, abuso ou classificá-la como negligência, tiraria toda a força do argumento e dificultaria muito aos operadores de direito, na defesa das gestantes e puérperas, durante todas as ações de enfrentamento. 

Mas, não foi tão fácil assim! (Ainda bem!)  

Diante desta decisão do Ministério da Saúde, o Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), durante a 317ª Reunião Ordinária, aprovou nos dias 16 e 17 de maio de 2019, a Recomendação nº 02412, para que o Ministério da Saúde:  

Interrompa qualquer processo de exclusão da expressão “violência obstétrica” tendo em vista o seu reconhecimento nacional e internacional e a sua utilização pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo governo de vários países e pela sociedade brasileira; e 2. Que possa trabalhar com maior intensidade e firmeza no combate a tais práticas e maus tratos nas maternidades, conforme recomenda a OMS.” 

Foto: Graziela Mantovaneli/JTNewsDenuncie! Não se cale!
Denuncie! Não se cale!

Há tantos anos, mulheres passam por situações de violências obstétricas, mas algumas delas nem sabem que isso lhes aconteceu, por desconhecimento e/ou porque existem formas explícitas, mas também formas ocultas de agressão. Então, eu vou nomear alguns exemplos de violência obstétrica:  

Não permitir acompanhante, fazer comentários constrangedores (sobre o corpo dela, etnia, religião, classe social, número de filhos etc), lavagem intestinal, negar hidratação e alimentação para a mulher em trabalho de parto, episiotomia, raspagem de pelos, não permitir que ela escolha a melhor posição para o parto, negar anestesia (mesmo no parto normal), toques vaginais realizados em excesso e por mais de um profissional, soro para contrair o útero, comprimido vaginal para dilatar o colo uterino, omitir informações, manipular informações (para fazer o que deseja), fazer pressão sobre a barriga para empurrar o bebê (no parto normal e cesariana), dificultar o aleitamento materno, não permitir alojamento conjunto (mãe-bebê), negligenciar/ignorar/demorar para atender às mulheres em situação de abortamento etc. 

Ao longo dos séculos, a saúde evoluiu tanto. Doenças que mataram multidões foram erradicadas com vacinas, medicamentos, cirurgias, hábitos de higiene, saneamento básico etc. Mas, a violência obstétrica ainda é um fantasma que assombra mulheres durante toda a gestação e dentro dos hospitais, maternidades, clínicas e consultórios. Por que ainda não evoluímos nisso? Por que ainda permitimos?  

Uma das formas de lutar contra a violência obstétrica é torná-la conhecida. Como diz minha mãe, é preciso dar nomes aos bois.     

Foto: Graziela Mantovaneli/JTNewsLutar contra todas a formas de violência obstétrica é dever de todos nós!
Lutar contra todas a formas de violência obstétrica é dever de todos nós!

Vou dizer uma das formas de violência obstétrica, que ainda é pouco conhecida:  

Impedir o contato pele a pele, após o parto, dificultando o aleitamento materno, na primeira hora (sem esclarecer e justificar o motivo). Além de ser uma violência obstétrica, ela também é neonatal (contra o recém-nascido). Você a conhecia? Eu acredito que não, mas ela também é.  

 

Por que impedir o contato pele a pele é uma violência obstétrica?   

1) Mulheres são tratadas como “produtos em série” nas maternidades e hospitais: Deveria ser o contrário, porque humanizar o parto e o nascimento é um movimento de contracultura que busca resgatar a humanidade e a individualidade da mulher que pare, em oposição ao ideário do corpo máquina, da mulher como fábrica de bebês e da maternidade como linha de montagem (Wagner, 2001). É preciso enxergar e atender as individualidades de cada mulher que chega para dar à luz.  

2) O contato pele a pele deve ser estimulado nos primeiros minutos de vida. Após o nascimento, o recém-nascido passa por uma fase denominada inatividade alerta, com duração média de quarenta minutos, na qual se preconiza a redução de procedimentos de rotina, em recém-nascido de baixo risco. Nesta fase, o contato mãe-filho deve ser proporcionado, por tratar-se de um período de alerta que serve para o reconhecimento das partes, ocorrendo a exploração do corpo da mãe pelo bebê. Portanto, as ações dos profissionais de saúde, no pós-parto imediato, podem interferir negativamente na aproximação precoce, entre a mãe e o bebê, que traz inúmeros benefícios para os dois.  

3) O contato pele-a-pele acalma o bebê e a mãe, que ficam em sintonia, reverberando na estabilização sanguínea, dos batimentos cardíacos e respiração da criança; reduzindo o choro e o estresse do recém-nascido, com menor perda de energia e mantendo o bebê aquecido pela transmissão de calor de sua mãe. Sim, o calor do corpo da mãe mantém o bebê aquecido, enquanto o seu útero contrai, prevenindo também as hemorragias puerperais.  

4) O contato pele a pele beneficia a amamentação, por tornar a sucção eficiente e eficaz, aumenta a prevalência e duração da lactação, além de influenciar de forma positiva a relação mãe-filho. O início precoce da amamentação favorece o recebimento do colostro, que contém fatores imunológicos protetores contra doenças, e influencia o tempo total do aleitamento materno. Ainda, colabora para uma melhor adaptação do recém-nascido à vida extrauterina, incluindo a regulação glicêmica, cardiorrespiratória e térmica, e estimula a hipófise materna a produzir ocitocina e prolactina, hormônios que aumentam a produção e ejeção do leite. Nem sempre o bebê conseguirá sugar, nem sempre sairá leite, mas esse estímulo ajuda o leite a descer mais rápido, prevenindo uma prática muito comum nas maternidades e hospitais que é a “prescrição generalizada de fórmulas infantis para bebês saudáveis” (que não precisam recebê-las). Negando o direito que o bebê tem de ser amamentado, dificultando/impedindo a produção de leite pela mãe e levando ao desmame precoce.  

5) A indústria do desmame por traz das fórmulas infantis: Dê uma olhada nesses dados da Fundação Oswaldo Cruz.  

“Sete de cada dez pediatras recebem patrocínio da indústria de substitutos do leite materno durante eventos científicos. Entre nutricionistas, essa proporção é de dois a cada cinco e, entre fonoaudiólogos, um a cada três. Entre profissionais de saúde que participam de eventos custeados pela indústria de substitutos do leite materno, um de cada três pediatras recebe patrocínio para refeições ou festas e quase metade deles foi presenteado com materiais de escritório, como canetas, calendários e bloquinhos. Essas práticas são vedadas pela Lei 11.265/2006, que promove e protege o aleitamento materno no Brasil. De acordo com a lei, fabricantes e distribuidores de fórmulas infantis, fórmulas para crianças de primeira infância, leites, alimentos de transição e produtos de puericultura correlatos não podem conceder patrocínios financeiros ou materiais a pessoas físicas.” Não preciso explicar nada aqui, o financiamento está tão claro. Quem deveria proteger a amamentação, é financiado para trabalhar contra ela!   

Foto: Stela Woo/ MetrópolesXingamentos e insultos à gestante são formas recorrentes de violência obstétrica no país
Xingamentos e insultos à gestante são formas recorrentes de violência obstétrica em nosso país

Infelizmente, ainda não existe nenhuma lei que criminalize a violência obstétrica: 

Mas, um projeto que tramita no Senado torna crime a violência obstétrica e estabelece procedimentos para a prevenção da prática no Sistema Único de Saúde (SUS). O PL 2.082/2022, prevê pena de detenção que pode variar de três meses a um ano. Mas caso a vítima tenha idade inferior a 18 anos ou superior a 40 anos, faixas em que o prejuízo pode ser maior para a mulher, a punição será agravada, podendo chegar a dois anos de prisão. 

A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE PARTO 

Além do conhecimento sobre as formas de violência obstétrica, uma outra maneira de prevenir os abusos contra as gestantes é o PLANO DE PARTO. Toda grávida pode construir o seu plano de parto com a ajuda dos profissionais que a acompanham no pré-natal. Ah... mas os hospitais não aceitam que ele seja anexado ao prontuário! Então, vou deixar registrado aqui uma orientação que aprendi com uma advogada, durante uma audiência pública sobre violência obstétrica, que assisti na Câmara dos Deputados: 

Toda pessoa que passará por procedimentos/internação hospitalar deve assinar o Termo de Consentimento Live e Esclarecido (TCLE), que de “livre” não tem nada, porque se não assinar, não é internado!  

Então, no momento em que você estiver assinado o TCLE, escreva logo abaixo da sua assinatura: “Plano de parto anexo” e entregue os dois documentos (o TCLE e o Plano de Parto) para quem estiver te atendendo. Isso te auxiliará garantir os seus desejos e/ou se sofrer alguma violência obstétrica, um advogado poderá usar o seu plano de parto para te defender, porque você comprovou que o documento foi entregue, no momento da sua internação, devendo estar junto com todos os demais documentos e exames, no seu prontuário.

Foto: Graziela Mantovaneli/JTNewsPelo direito de parir em paz!
Pelo direito de parir em paz!

Minha intenção, ao falar sobre violência obstétrica, é mostrar que ela existe, que precisa ser combatida e que não se refere apenas ao trabalho de profissionais de saúde, mas também às falhas estruturais de hospitais, clínicas, em todo o sistema de saúde.  

Não se cale! Denuncie! 

Existem diferentes canais pelos quais a denúncia pode ser feita. 

- Sala de atendimento do Ministério Público: www.mpf.mp.br/servicos/sac  

- Defensoria Pública do seu estado;

- Pelos telefones
:  

1) Disque-saúde: número 136; 

2) Violência contra a mulher: número 180;

3) Agência Nacional de Saúde Suplementar: 08007019656 (planos de saúde);

No hospital/maternidade/clínica: faça a denúncia e solicite uma cópia.

IMPORTANTE: Para fazer a denúncia é preciso ter em mãos documentos como o prontuário médico e de acompanhamentos durante a gestação. 

 

Todos nós devemos lutar pela promoção e garantia de gravidez, parto e puerpério seguros, e pelas normativas que buscam assegurar a integralidade da assistência em saúde às mulheres. 

 

Vamos juntos? 

Um grande abraço e até breve! 

 

Graziela Mantovaneli 

Enfermeira Pediátrica e Neonatologista 

Consultora em Amamentação 

Fontes de pesquisa:  

https://agencia.fiocruz.br/tese-faz-analise-historica-da-violencia-obstetrica-no-brasil  

https://www.scielo.br/j/reben/a/h4LXMTFFnckpXRxYDSxMD8f/?lang=pt#:~:text=O%20contato%20pele%2Da%2Dpele,transmiss%C3%A3o%20de%20calor%20de%20sua  

https://www.scielo.br/j/reeusp/a/7y4tJjydchJWjJB4y7wYzVF/?format=pdf&lang=pt#:~:text=INFLU%C3%8ANCIA%20NA%20PROMO%C3%87%C3%83O%20DO%20V%C3%8DNCULO,in%C3%BAmeras%20mudan%C3%A7as%20para%20a%20crian%C3%A7a.  

https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/03/1418399/e69838-amamentacao-na-primeira-hora-diagramado-port.pdf  

https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-aborda-patrocinio-de-profissionais-de-saude-pela-industria-de-substitutos-do-leite  

https://static.scielo.org/scielobooks/pr84k/pdf/maia-9788575413289.pdf  

https://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/livreto_violencia_obstetrica-2-1.pdf 

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/08/11/proposta-pune-violencia-obstetrica-com-ate-dois-anos-de-detencao#:~:text=Projeto%20que%20tramita%20no%20Senado,tr%C3%AAs%20meses%20a%20um%20ano.   

https://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2019/Reco024.pdf  

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