Silvio Barbosa

Professor concursado do Curso de Comunicação Social da UFPI, campus Teresina. Doutor em Comunicação e Mestre em Filosofia do Direito é advogado e jornalista, com 24 anos de experiência de mercado, tendo trabalhado em empresas como Rede CBS (Estados Unidos), Globo, Bandeirantes, Record e TV Cultura. Autor dos livros TV e Cidadania (2010) e Imprensa e Censura (no prelo) e dos documentários Vale do rio de lama - no rastro da destruição, e Sergio Vieira de Mello, um brasileiro em busca da paz no mundo.
Professor concursado do Curso de Comunicação Social da UFPI, campus Teresina. Doutor em Comunicação e Mestre em Filosofia do Direito é advogado e jornalista, com 24 anos de experiência de mercado, tendo trabalhado em empresas como Rede CBS (Estados Unidos), Globo, Bandeirantes, Record e TV Cultura. Autor dos livros TV e Cidadania (2010) e Imprensa e Censura (no prelo) e dos documentários Vale do rio de lama - no rastro da destruição, e Sergio Vieira de Mello, um brasileiro em busca da paz no mundo.

O Papa Pio XII sabia do holocausto judaico na Segunda Guerra Mundial?

Sim, sabia, e fez o possível para salvar o maior número de judeus

 Pio XII entrou para a história como o Papa que se calou diante do ditador alemão Adolf Hitler, criador da ideologia nazista. O Cardeal Pacelli, italiano, foi entronizado Papa em março de 1939, seis meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, com a invasão nazista à Polônia.

 

Foto: Vatican NewsPapa Pio XII ordenou que a Igreja escondesse judeus
Papa Pio XII ordenou que a Igreja escondesse judeus

Quando assumiu o trono de São Pedro, o Papa Pio XII encontrou um Adolf Hitler poderosíssimo, já há seis anos no poder, que tinha, como um polvo de mil tentáculos, se apoderado de todas as estruturas da sociedade alemã: polícia, forças armadas, sindicatos, imprensa e universidades... Nem as igrejas escaparam: a maior denominação religiosa da Alemanha, a Igreja Luterana, foi forçada e prestar juramento de fidelidade a Hitler. Um pastor luterano destacou-se por se recusar, dizendo que Cristo, e não Hitler, era o Fürher (Guia) dos alemães. Martin Niemoller foi preso e passou por três campos de concentração até ser libertado com a derrota nazista em 1945. A partir desse período terrível como prisioneiro pessoal de Adolf Hitler, o pastor Niemoller criou, num sermão, o Poema da Alienação, que traduzo aqui com certa liberdade:

              Primeiro, eles vieram e levaram os comunistas. E eu não disse nada, porque não sou comunista;

              Em seguida, vieram e levaram os sindicalistas. E eu não disse nada, porque não sou sindicalista;

              Então, eles vieram e levaram os judeus. E eu não disse nada, porque não sou judeu.

              E, por fim, eles vieram e me levaram. E ninguém disse nada, porque não havia sobrado mais ninguém que ainda pudesse dizer alguma coisa.

Como a Igreja Luterana, a Católica também sofreu pesadas represálias por não ceder às pressões do Ditador. O Presidente da Liga Católica, uma espécie de bancada religiosa dentro do Parlamento Alemão, foi assassinado a tiros em casa, junto com a esposa, pelos guardas de Hitler, acusado de tramar um golpe contra o ditador. Mil padres e monges foram presos e acusados, sem prova, de pedofilia. Na obra Triângulo Rosa (símbolo que os LGBTs deviam usar pregado ao uniforme de prisioneiros), o sobrevivente Rudolf Brazda, operário checo condenado por ser homossexual, e enviado ao campo de Buchenwald, conta que testemunhou a chegada de 6 monges católicos ao campo, imediatamente assassinados com injeção letal.

Quando Pio XII assumiu o Papado, a Igreja Católica alemã já chorava prisões em massa, assassinatos e desaparecimentos de religiosos.

Em seguida à conquista da católica Polônia (1939), Hitler conquistou outros baluartes do catolicismo europeu, como a França e a Bélgica. O Papa, certamente, recebeu inúmeros relatos dos cardeais locais, como também dos católicos alemães, austríacos e checos (países anexados anos antes), sobre as condições degradantes impostas às comunidades judaicas. Mas, mesmo que não tivesse recebido esses alertas, bastaria ler os jornais da época, que noticiavam com frequência as violências do regime nazista contra as minorias, especialmente a judaica que, de grupo religioso, passou a ser considerado um grupo racial inferior, de origem asiática, já em 1935, com a promulgação das Leis Racistas de Nuremberg, que excluíram dos direitos civis todos os alemães de origem judaica (meio milhão de pessoas) e, dias depois, também os de origem africana e asiática (poucas centenas, já que a Alemanha perdeu seu recente império colonial na derrota da Primeira Guerra Mundial, duas décadas antes).

A imprensa mundial noticiou, escandalizada, em 1938, meses antes do Papa ser entronizado, a Noite dos Cristais, quando as comunidades judaicas foram atacadas simultaneamente nos territórios já anexados por Hitler, com assassinatos e a queima de sinagogas, comércios e residências. O mundo já sabia, portanto, do ódio nazista aos judeus.

Em seguida às inúmeras vitórias e conquistas de países vizinhos, o Nazismo deu início à política sistemática de assassinato das comunidades judaicas onde fossem encontradas. O dado oficial das Nações Unidas (ONU) é de que cerca de 6 milhões de judeus foram mortos pela máquina de extermínio nazista.

A carta de um monge alemão, revelada essa semana, e endereçada ao Vaticano em 1942, dizia que aos menos três campos de concentração na Polônia Ocupada eram na verdade locais de extermínio em massa de poloneses e judeus. Mas essa notícia aterrorizadora era uma novidade? Na verdade não, porque os diplomatas e os espiões nos países ocupados informavam continuamente os governos sobre o que acontecia na retaguarda sangrenta do avanço alemão. Até que, no final de 1942, já sem sombra de dúvidas, o governo dos Estados Unidos anunciou que a Alemanha estava praticando a política da Solução Final, ou seja, o extermínio, de forma industrial, das comunidades judaicas europeias.

O Papa Pio XII perdeu essa chance de ser o primeiro a gritar para o mundo sobre o Holocausto. Os críticos da Igreja dizem que foi por covardia, por medo de ter o Vaticano tomado pelas forças nazistas que já dominavam a Itália. Nesse mesmo ano, de 1942, numa clara ameaça ao Papa, os nazistas invadiram um convento na Holanda e prenderam a freira Teresa Benedita da Cruz, de origem judaica. Filósofa respeitada, ela foi assassinada numa câmara de gás no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada. Considerada mártir, foi canonizada em 1998 pelo Papa Joao Paulo II.

Com medo ou não dessas ameaças, Pio XII ordenou a proteção aos refugiados judeus em igrejas, mosteiros e conventos. Só em Castelgandolfo, residência papal nas montanhas, o Papa deu abrigo a 3 mil fugitivos judeus. Mais de 40 crianças nasceram ali durante a guerra. Nem os nazistas ousaram invadir o castelo para capturar os refugiados. Em Assis, cidade natal de São Francisco e de Santa Clara, os judeus foram escondidos no sagrado convento em que Clara fez seu maior milagre em vida, reluzindo como o próprio Sol para afugentar o exército invasor muçulmano, na Idade Média.

Graças à rede de proteção da Igreja, a Itália salvou 80% da comunidade judaica, cifra só comparada à da Dinamarca, que conseguiu resgatar quase toda a comunidade enviando-a em barcos para a vizinha Suécia, país neutro não invadido pelos nazistas.

Na Itália, sem alarde, Pio XII salvou 13 mil judeus da morte. Pinchas Lapide, que foi cônsul geral de Israel em Milão, afirmou que, em toda a Europa ocupada pelos alemães “Pio XII favoreceu o salvamento de pelo menos 700 mil judeus de mãos nazistas”; muito mais que qualquer outra pessoa ou governo, portanto.

Eis a informação contextualizada, bem diferente das expressões rancorosas presentes essa semana na nossas mídia e nas redes sociais. Pio XII foi, sim, um herói.

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