Giulieny Matos

Gosta do cotidiano. É especialista em segurança pública e educadora autônoma. Formada pela Unb, trabalha atualmente em prol da prevenção precoce da violência. Colaboradora da Magazine Internacional IPA Brazil. Possui 12 livros publicados.
Gosta do cotidiano. É especialista em segurança pública e educadora autônoma. Formada pela Unb, trabalha atualmente em prol da prevenção precoce da violência. Colaboradora da Magazine Internacional IPA Brazil. Possui 12 livros publicados.

As grandes prisões dos filhos pequenos

O pouco amor doado é um grande amor vivido!

A prisão, em si, causa separação abrupta entre os filhos e sua genitora, entre o pai e sua família, entre entes queridos e a sociedade. Falamos bastante sobre os sentimentos não só das mães encarceradas, mas das mães “livres”.

Foto: Também Quero Ler!Capa do livro "Cadê Minha Mãe?"
Capa do livro "Cadê Minha Mãe?"

Estará em pauta, na sociedade, entre as autoridades, o sentimento da criança filho de mãe ou pai preso? A escritora Giulieny Matos nos apresenta o livro "Cadê minha mãe?" Em resgate da ressignificação da criança. O livro está disponível em português, inglês e braille, à venda pela internet.

Que tal um livro para falar sobre o assunto?

O livro “Cadê minha mãe?”, de modo sutil e profundo, tornou-se uma ferramenta de representação de uma criança em situação de vulnerabilidade social inserida paralelamente no sistema carcerário. É um livro introspectivo que aborda a questão psicológica e cotidiana da criança envolvida, abruptamente, em situação penitenciária, em virtude de algum familiar.

Uma chave para abrir um coração sofrido?

Diante de uma realidade cuja mãe ou pai foram presos, quem pode medir seu sentimento? Qual o tamanho da sua revolta? Quem pode ter chaves para destrancar os segredos desse coração tão pequeno e, na maioria das vezes, tão dilacerado, carente e solitário?

"Eu não tenho culpa do que está acontendo!"

A obra retrata a extensão do problema, os reflexos da família de origem e na família acolhedora (na vida real, nem sempre tão acolhedora assim, às vezes tão desestruturada quanto a família original), que precisa se virar pois não esperava presentes gregos vindos no coletivo, e mostra, com propriedade, a não culpa da criança dentro desse turbilhão de eventos inusitados.

Bem interessante são os desafios psicológicos e práticos do dia a dia apresentados no texto e nas ilustrações, as alegrias e tristezas nos encontros e reencontros com a mãe, também extensivos ao pai ou irmão.

"Dá-me forças, que eu lhe darei um sorriso!"

No enredo, percebe-se claramente, ainda que a criança não tenha capacidade plena de compreensão, ela sofre os sofrimentos adultos, aponta claramente a necessidade e a vontade de seguir em frente e vencer os desafios.

Dos direitos de todas as crianças, em todas as circunstâncias

O direito ao brincar, a passear, a sonhar com dias melhores (necessidade intrínseca ao ser humano para vencer desafios e superar tristeza) e, sobretudo, o direito a estudar, são apresentados como possibilidades reais e cotidianas.

Crianças unidas também em sofrimentos

As crianças, não poucas no universo carcerário, nem as primeiras, nem as últimas a viverem esse processo, adquirem, ao ler a história, a dimensão escatológica da sua realidade. São inseridas no texto, identificam-se com o personagem que sofre, não apenas sofrimentos penitenciários, mas com qualquer  tipo de sofrimento real, como separação de pais, violência doméstica, brigas financeiras, doenças.  

Portanto, como a criança do livro supera dificuldade tão grande e intensa, o pequeno leitor também encontra forças para superar o momento vivido.

A mãe voltará?

Interessante foi a visita da autora numa escola com alunos do quarto ano fundamental. Dentre as várias atividades desenvolvidas no projeto literário, escreveram cartas de consolação para o menino. Quando da visita da escritora, a imprensaram para saber por que não foi dito no livro que a mãe retornou para o lar. E se isso não acontecer? Seria mais uma mentira para a criança?

O futuro não garante o seu retorno ao lar. Algumas verdades não podem ser escondidas. Dependendo do tipo e tamanho da pena da pessoa presa, a criança pode ser encaminhada para abrigo, adoção ou familiares. Uma criança relatou, “pelo menos meu pai não me batia, mas a tia bate.”

Vivências e superações inocentes

Em três escolas foram interessante os relatos dos professores. Uma criança, de nove anos, não queria estudar. Voltou a ser aluno participativo. Outro, de 6 anos, era agressivo e batia nos coleguinhas, ia todo dia para a coordenação por causa das reclamações contra ele.  Passou a ser aluno compreensível e participativo. Outra, de 11 anos, ficou leve ao compreender que não era sua culpa a prisão do irmão. Uma carga muito pesada para uma criança.

Quanto aos adultos que leram o livro, relataram compreensão da extensão e das dificuldades da situação vivenciada no contexto penitenciário. Passaram a ser mais solidários, a ajudar as crianças em suas convivências de modo mais pessoal, ainda que o fato não seja mencionado em voz alta.

...e pra terminar...

As crianças sofrem, de fato, grandes prisões. Cabe aos adultos abrirem as grades dos sofrimentos uma a uma, com carinho, paciência e dedicação. O pouco amor doado é um grande amor vivido. Quem quiser ajudar, só investigar como.

Leia também:

- Todas nós, mães, sofremos de pequenas prisões. Só investigar!/ Mães de 2020 experimentaram como é estar longe dos filhos em tempos de coronavírus.

- Sem máscaras, somos todos reféns do Sr. Corona / Vista a máscara do amor!

- Epandemia, poema substantivo - Dia da Língua Portuguesa (Ler em ing/port/esp)

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